Poetica

De repente é outono e a nada mudou no mundo


De repente é outono e a nada mudou no mundo: 
Nenhum homem por si só deixou de ser desumano
por si só, nenhum mesmo. Nenhum.
Enquanto isso, canto a canção que nunca escrevi

 num sonho que tento retomar mas desisto
­ não se controla os sonhos - ­ abre­-se os olhos

E, num suspiro, de repente é outono e nada mudou no mundo.

Simplesmente a noite estendeu suas vestes sobre a criança
que mora em mim, em algum sótão ­ estantes de livros
que nunca li mas que imagino as figuras:
parques de Baltimore, cálamos cheirosos de algum canto, ou ,
é verdade, casebres calmos e suas chaminés que fumegam cores, 

lá no bosque mais encantado de todos, 
com seus muitos seres meio gente, meio fada, 
meio essa coisa toda que a criança gosta

Mas simplesmente a noite estendeu suas vestes
E o menino que ainda sou deita­s-se emburrado e sério.

O que eu queria mesmo era uma tarde longa de bado 
Uma dessas efemeramente avermelhadas
 e maravilhosas leituras de Andersen, Lobato e ...
Mas ouço o repórter e suspiro " Deus, meu Paizinho ":

A vida segue, o rio caudaloso transborda ­ mas o deserto é certo. 
Minha alma tem saudades que estonteam o meu silencio.
Por isso eu canto , por isso o refrão me sai 

e não emudeço uma vírgula: 
De repente é outono e nada mudou no mundo 

( São Bernardo, 2016 )




© Gerson Borges.